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KOMPANHIA

A Grande Viagem de Merlin

A Grande Viagem de Merlin

1995

O título deste espetáculo, idealizado pelo diretor Ricardo Karman e o artista multimídia Otávio Donasci, era a tradução perfeita do que ele representou. Uma viagem que tinha início no número 1.530 da avenida Sumaré, no bairro de Perdizes (SP), seguia por meia hora por uma estrada e culminava 65 quilômetros depois nos arredores do município paulista de Jundiaí. Tudo começava numa fictícia agência de turismo, onde os trinta expedicionários por sessão calçavam botas de borracha e escolhiam para amarrar no pulso uma fitinha verde (mais interatividade) ou uma fitinha vermelha (só observação). Isso significava que ninguém seria submetido a uma participação compulsória.


Com elementos reais, simbólicos e mágicos, a história do milenar mito celta de Merlin e sua paixão pela jovem Nynianne estava prestes a ganhar vida. A versão da lenda adotada foi a do livro A História do Mago Merlin (1803), de Dorothea e Friedrich Schlegel, e o roteiro adicionou ainda uma série de outros excertos. Além da dramaturgia de Luís Alberto de Abreu, a obra bebeu da fonte de João Guimarães Rosa, Platão, Camille Paglia, Oscar Wilde, Taliesin e de provérbios da filosofia sufi. Um poema de Konstantinos Kavafis era lido ao final por algum participante.


Enfim embarcados em uma carreta-instalação multimídia, e acomodados em cadeirinhas suspensas por molas no teto, os passageiros já mergulhavam em um mundo completamente desconhecido e, só na aparência, sem sentido. A primeira experiência soava provocante. Em poucos minutos, em completa escuridão, já ouviam vozes que sussuravam em seus ouvidos fragmentos de histórias picantes e sensuais. Inesperadamente a ação era abortada pela presença de uma videocriatura, cujo feto aterrorizante passava a relatar os acontecimentos futuros. 


O primeiro palco da aventura transcorria em meio a um aterro sanitário instalado no quilômetro 27 da rodovia dos Bandeirantes, berço do nascimento do mago, ocorrido em meio a torres de concreto e labaredas de até cinco metros de altura. Nesse cenário surreal e diabólico, na parte isolada do lixo e já coberta pela vegetação, zumbis aglomeravam-se com os viajantes por um enorme descampado. Ali ofereciam-lhes vivências inesperadas, solitárias ou em pequenos grupos, como ser enterrado em um ermo cemitério dentro de um caixão real ou carregar em uma procissão religiosa um "saco de pecados". A plenos pulmões, esta sacola vociferava pragas e palavrões que aturdiam seus carregadores. O explorador podia ser também trancado em uma jaula que abrigava um selvagem humano, macho ou fêmea, completamente nu.


Na sequência, 35 quilômetros à frente e agora em ônibus de turismo convencional, todos desembarcavam nas ruínas do teatro Polytheama (hoje restaurado), no centro de Jundiaí, uma construção com então quase 85 anos de existência. Nesta espécie de castelo medieval, passagens subterrâneas sombrias levavam os aventureiros a espreitarem batalhas sangrentas e jogos de sedução. No salão principal, celebrava-se a vitória do rei Uther Pendragon e, ao som de uma valsa de Strauss, os convidados dançavam com o elenco vestido de gala.    


Mais uma vez no coletivo, todos rumavam até o terceiro ponto, uma lagoa arborizada em uma reserva florestal, nas imediações da cidade recém-saída. O ato que encerrava a jornada se dava em torno de uma fogueira. Merlin caíra sob o feitiço de uma jovem donzela que o aprisionara com sua própria magia. Destituído de seus poderes, ele flutuava impotente pela água, enclausurado dentro de uma enorme esfera inflável de cristal. Meia noite nos relógios e, envolto na névoa noturna, os peregrinos adentravam a lagoa pilotando seus pedalinhos para contemplar o cruel destino do grande mago. Após o brinde com uma taça de vinho, sempre oferecida aos que participavam das expedições da Kompanhia do Centro da Terra, a equipe regressava de ônibus, sem paradas, até o marco inicial, completando 130 quilômetros de percurso. 


A engenhosa expedição, que demorou dois anos para ser montada, estendia-se por cinco horas de duração, reuniu uma trupe de trinta atores e uma equipe técnica de dezessete profissionais. Uma ambulância, um carro de resgate e outro de apoio acompanhavam constantemente a viagem. Uma logística complicada foi estruturada para assegurar harmonia entre a ação e os veículos que transportavam público e intérpretes. A mesma sincronia se aplicou também à linha narrativa, com suas diferentes durações, que não podia soar descosturada sob pena de comprometer o sentido da experiência. Numa época sem a existência do aparelho celular, rádios e cronômetros se tornaram instrumentos valiosos.


Fatos inesperados aconteceram durante a temporada. Em um deles, a polícia rodoviária imaginou que era real o assalto ao ônibus da peça no meio da estrada, uma das cenas do roteiro. Às escondidas, seguiu o comboio com suas viaturas até Jundiaí, onde o susto e o mal entendido foram desfeitos sem que os partícipes notassem. Em outra ocasião, os integrantes da ambulância foram interpelados pelas autoridades policiais de Jundiaí, desconfiadas dos “estranhos doentes" ali transportados. Certa vez, já de madrugada e retornando a São Paulo, atores e contra-regras desmontavam a carreta multimídia quando foram surpreendidos por uma ação armada da polícia militar, que cercou ostensivamente o caminhão. Os agentes haviam recebido denúncia anônima e cismaram que os traficantes poderiam estar ali, disfarçados.  


Da mesma forma que em Viagem ao Centro da Terra (1992, SP), novamente os espectadores saíam de sua condição passiva para incorporarem o papel de protagonistas. Expostos aos sentimentos conflitantes de medo e curiosidade, vivenciaram situações incomuns e imprevisíveis, como o de explorar um aterro sanitário, estar a poucos metros de colunas de fogo gigantes e ser sepultado vivo. Além da ampla cobertura da mídia brasileira, a montagem repercutiu no The New York Times e na Time Magazine, na agência inglesa Reuters e em outros jornais e revistas internacionais.

KOMPANHIA

04.07.1989

Kompanhia do Centro da Terra

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525 Linhas 1989

525 Linhas

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O Santo e a Porca 1991 e 2002

O Santo e a Porca

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Viagem ao Centro da Terra 1992

Viagem ao Centro da Terra

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2001

Teatro do centro da terra

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2005

sobre-viventes

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2005

I Mostra de drama­turgia

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2005 a 2016

O Ilha do Tesouro

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2007

O Kronoscópio

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2007

Pneuma

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2010

Teatrokê

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2010

Aguáh - Billings

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2011

biliri e o pote vazio

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2010 a 2014

Sarau Noites na Taverna

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OVONO 2016

OVONO